por Jerônimo Villas-Bôas, ecólogo da Universidade Federal da Paraíba
No Brasil, durante muito tempo o consumo do mel de meliponíneos foi privilégio de comunidades tradicionais, principalmente povos indígenas, por meio da exploração predatória de colônias existentes em hábitat natural. A domesticação dessas abelhas é uma tradição popular que se difundiu principalmente nas regiões norte e nordeste do país e manifesta-se predominantemente de forma artesanal ou rústica. O principal produto dessa atividade, o mel, tem atraído grande interesse daqueles que valorizam novos produtos florestais, em especial àqueles manejados de forma sustentável.
Do ponto de vista econômico a meliponicultura é uma atividade cujo mercado se mostra receptivo pela exclusividade do produto, mas apreensivo pela falta de padrões de produção e oscilação da produtividade. Trata-se de uma atividade econômica incipiente, com pouca ou nenhuma expressão no orçamento familiar dos agricultores brasileiros. Entretanto, o processo de transformação da ocupação em uma atividade agrícola consistente está em caminho acelerado de consolidação e o país já possui exemplos animadores de projetos que conseguiram colocar o mel de abelhas sem ferrão a disposição do mercado consumidor habituado a consumir, e entender como mel, apenas o produto das abelhas Apis mellifera.
Alguns exemplos desse sucesso são o
Projeto Abelhas Nativas, que abrange 18 comunidades de nove municípios do estado do Maranhão (figura 1), e o arranjo produtivo organizado pelo
Instituto Iraquara, o qual mobiliza 100 comunidades de 17 municípios no estado do Amazonas (figura 2).
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Mel da abelha tiúba (M. fasciculata) produzido pelas
comunidades apoiadas pelo PAN. |
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Mel da abelha jupará (M. compressipes)
produzido no Amazonas pelo Iraquara. |
Tecnologias
Dentro do processo de consolidação da atividade, o Brasil tem se destacado por difundir diversas tecnologias inovadoras focadas na inserção de mercado. Muitos criadores e centros de pesquisa têm se empenhado para incrementar os conhecimentos sobre biologia e manejo das abelhas sem ferrão.
Entre os elementos de manejo considerados neste processo de desenvolvimento o modelo de caixa a ser utilizado para a criação tem sido um dos mais estudados. No Brasil, os modelos de caixa horizontal são mais comuns que os verticais. Essa característica é resultado da difusão de uma tradição popular e não fruto de experimentos controlados que comprovem as reais vantagens do uso de um modelo em relação a outro. Apesar da difusão do modelo horizontal, pesquisas desenvolvidas na última década apontam para a eficiência do modelo vertical. Esses trabalhos trataram de aperfeiçoar um modelo vertical base proposto por Portugal-Araújo (1955) e trazem como vantagem compatibilizar a otimização de técnicas de reprodução de enxames, produção e coleta de mel, com condições favoráveis de proteção dos ninhos e manutenção das colônias.
Outro foco das pesquisas tecnológicas são práticas compatíveis de coleta e beneficiamento de mel. Essa abordagem visa resolver um dos maiores desafios daqueles que produzem mel de meliponíneos: garantir longevidade a um produto muito suscetível à fermentação. A principal característica que atribui ao mel das abelhas nativas essa característica é sua maior taxa de umidade em relação ao mel de Apis.
O primeiro passo para minimizar esse problema são boa práticas de coleta, visando a redução da contaminação. O uso de bombas de sucção a vácuo é sugerido em algumas publicações e parece ser uma boa opção para produção de larga escala no lugar da seringa descartável. O problema desse equipamento é fato de depender de energia elétrica, recurso nem sempre disponível em comunidades geograficamente isoladas de algumas regiões do Brasil. O desenvolvimento de bombas mecânicas para sucção de mel merece mais investimento. O Projeto Abelhas Nativas desenvolveu uma modelo eficiente de sucção mecânica para coleta de mel de abelhas sem ferrão, o glossador. Além da simplicidade e do baixo custo, não dependendo de energia elétrica, o equipamento tem como vantagem o fluxo menos acelerado do mel na hora da coleta, o que diminui a oxigenação do mesmo. A oxigenação causada pela bomba de sucção elétrica é um problema para a posterior conservação do mel, dado o grande contato do mesmo com microorganismos presentes no ar.
Depois de coletado são vários os métodos de beneficiamento que vem sendo testados para a conservação do mel. A pasteurização tem a vantagem de ser simples e barata, mas tem mostrado resultados pouco satisfatórios, garantindo a conservação do mel por no máximo seis meses. Outra alternativa que vem sendo utilizada é a desumidificação. O Instituto Iraquara tem utilizado uma máquina de desumidificação, a mesma usada na apicultura, com a qual processam o mel até uma taxa de 20% de umidade, aceita pelas normas do MERCOSUL. Trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia indicam o uso de uma sala de desumidficação, equipada com ar condicionado e desumidificador de ar, na qual, com o mel disposto em bandejas, retiram a água até uma taxa de 17%. A vantagem do segundo sistema é o menor custo. A desvantagem de ambos é a alteração nas características naturais do mel, tido por muitos como sendo mais saboroso por ser menos viscoso e doce. Ainda existe o a agravante da diminuição de volume final, o que é um problema dada a baixa produtividade das abelhas sem ferrão.
Legislação
Apenas algumas técnicas de produção e beneficiamento foram citadas acima. A diversidade de técnicas aplicadas é diretamente proporcional à diversidade de abelhas, culturas e ambientes onde a meliponicultura se manifesta. Englobar essa diversidade é o maior desafio daqueles que planejam a certificação destas técnicas e medidas de controle de qualidade. Até pouco tempo essa preocupação era exclusividade de produtores e cientistas. Recentemente, dada a grande repercussão da meliponicultura em eventos técnicos e científicos do setor apícola, o Ministério da Agricultura se mobilizou para o reconhecimento da criação de abelhas sem ferrão como atividade agrícola viável no Brasil.
Esse reconhecimento culminou na histórica inclusão dos produtos das abelhas sem ferrão no RIISPOA (Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal), decreto presidencial estabelecido em 1952 e revisado em poucas oportunidades (1962, 1994 e 1997). O resultado da última revisão foi apresentado aos setores fabricantes de produtos de origem animal no dia 08 de Julho de 2008 e ficou a disposição para consulta pública até 15 de Outubro do mesmo ano. O resultado final dessa revisão, alterado pelas sugestões da consulta pública, ainda não foi publicado.
O grande avanço dessa revisão foi a inclusão do mel, própolis, cerume e pólen das abelhas sem ferrão como produtos comercializáveis. Esse reconhecimento pode ser considerado um grande passo, mas é importante destacar que o RIISPOA é um documento de identidade, ou seja, apenas define quais produtos existem e estabelece alguns parâmetros básicos para sua produção e comercialização. A verdadeira legislação, que realmente define os caminhos da cadeia produtiva, será criada em resoluções específicas. Ou seja, depois que aprovarem esse documento, agora contendo o mel de abelhas sem ferrão, os atores envolvidos terão que discutir as resoluções complementares, que não são nada simples, dada a grande diversidade de espécies de abelhas nativas produtoras de mel, tipos de flores as quais as mesmas visitam e métodos de produção e beneficiamento utilizados em um contexto cultural diverso como o Brasil. Intenção e empenho para certificar esse produto os setores envolvidos estão mostrando, mas a conclusão de um modelo não excludente e viável aos pequenos agricultores, grandes interessados na meliponicultura, não é tarefa fácil.